A suspensão do corpo legislativo que governa uma cidade no sul da Itália, colocou a descoberto como a UE derramou centenas de milhões de euros no buraco negro da máfia italiana.
O local de peregrinação espiritual dos patrões mais poderosos do mundo da máfia, o Santuário de Nossa Senhora de Polsi, nas montanhas Aspromonte da Calábria, há muito que simboliza a ilegalidade que ainda prevalece nos cantos do sul da Itália. O santuário tem 800 anos de idade e serviu por mais de um século, como local da reunião geral anual da Ndrangheta, ou máfia calabresa, cujo império criminoso global ofusca agora até mesmo o Cosa Nostra na vizinha Sicília.
As autoridades locais decidiram construir um centro para uma comunidade anti Mafia perto do santuário – destinada a promover a “cultura da legalidade”, e a União Europeia fez questão de ajudar com fundos.
Mas, agora, a “Casa de Leis” de € 650.000 caiu em desgraça devido a um problema que supostamente deveria lutar contra. O projecto está actualmente sob investigação por um magistrado anti-máfia, após a prisão em Julho, de um suspeito associado à Ndrangheta, acusado de secretamente ter licitado um dos contractos para a construir. O escândalo não causou grande surpresa na Calábria, onde parte do sector público é agora tão lucrativo como uma raquete de tráfico de drogas e de extorsão, e onde há duas semanas todo o conselho legislativo da cidade Reggio Calabria, foi dissolvido por suspeita de infiltração da máfia.
Mas o que é mais questionado, é como é que Bruxelas se dispôs, durante dois anos a entregar grandes quantias para a Calábria e outras regiões italianas assoladas pela máfia, correndo o risco real do dinheiro dos contribuintes europeus ir parar às mãos da máfia.Desde 2007, a UE autorizou cerca de € 3 bilhões só para a Calábria, aparentemente para desenvolver uma das regiões mais atrasadas e isoladas da Itália. No entanto, pensa-se que grandes fatias desse bolo foram parar à Máfia, com as suas alegadas “pizzo” (taxas extorquidas periodicamente pela máfia a empresas) às áreas de construção, desde estradas a parques eólicos.
O magistrado anti máfia, Roberto Di Palma, que realizou 25 investigações sobre mau uso dos fundos da UE, disse ao Sunday Telegraph :
“Começámos a ver este tipo de fraude, a partir do momento que enormes quantidades de dinheiro público começaram a chegar aqui ao sul da Itália. A Ndrangheta é como um polvo. Onde há dinheiro, encontramos os seus tentáculos.”
O escândalo surge com a Comissão Europeia a impulsionar um aumento de 6.8 % de gastos, muitos dos quais em projectos de criação de emprego em infra-estruturas, no sul e leste da Europa. Como parte da nova campanha de repatriar poderes de Bruxelas, alguns deputados eurocépticos conservadores exigem que o primeiro-ministro, David Cameron, agarre de volta alguns dos £ 5 bilhões que a Grã-Bretanha contribui anualmente para esses “fundos estruturais” da EU.
Embora menos conhecida que a Cosa Nostra ou a Camorra de Nápoles, a Ndrangheta, cujo nome deriva de um termo antigo grego para “desafio e valentia”, tornou-se a mais temida das três principais máfias da última década.
De acordo com um relatório de 2008 da comissão parlamentar italiana anti máfia, a Ndrangheta exerce uma influência considerável no vasto porto de contentores de Calábria , o Gioia Tauro – também este beneficiário de 40 milhões € da EU, na década de 1990 – ajudando-o a tornar-se um dos maiores importadores de drogas para a Europa, com links directos para os cartéis colombianos e mexicanos.
A extensão do seu controlo sobre a vida pública é agora exposta também na cidade de Reggio Calabria, local agradável à beira-mar. Num movimento sem precedentes, o Ministério do Interior italiano suspendeu todos os 30 vereadores da cidade. Seguiu-se depois a prisão de três deles mais o chefe de uma empresa local de lixo, suspeito de cumplicidade com os patrões Ndrangheta, ao aumentar o custo dos contractos de obras públicas.
Na semana anterior a 20 de Outubro, a prefeitura de Reggio Calabria estava em grande parte deserta, com nenhum dos vereadores suspensos disponível para comentar o assunto. No entanto, um dos três novos comissários, Guiseppe Castado disse:
“Vai ser uma verdadeira luta para salvar esta administração, e não veremos resultados nos próximos quatro a seis meses”. “Mas não é uma tarefa impossível e com a ajuda de todos poderemos fazê-lo.”
É pouco provável que essa ajuda venha de San Luca, vila a alguns quilómetros do santuário, toca dos cabecilhas. San Luca pode ser considerada como a cidade dos Ndrangheta, com correspondência a Corleone, aldeia siciliana tornada famosa pelos filmes de “padrinho”. Nela, é frequente ver caixotes crivados de balas, que os moradores usam para praticar tiro ao alvo, assim como olhares dos jovens “Sentinelle” que atuam como espiões. Só no último verão em San Luca, nasceu mais uma nova geração de “soldados” Ndrangheta.
Porém hoje, a “Casa das Leis” ainda é um canteiro de obras – como dizem os críticos, como muitos outros projectos públicos na Itália, que desde 2000, receberam cerca de € 60 bilhões em fundos de desenvolvimento da União Europeia. O Sr. di Palma, magistrado num tribunal de alta segurança, onde todos magistrados têm guarda-costas armados, depara-se com a corrupção dos fundos da UE por toda a parte – incluindo em alguns dos edifícios do porto de Gioia Tauro. Diz ele:
“No papel, a UE dá muito dinheiro, mas por vezes, esses projectos nunca se erguem do chão. Digamos que você tem um projecto como uma barragem, que custa € 100 milhões, para o qual tanto a UE como o governo nacional contribuem com € 50 milhões cada. O problema é que o dinheiro vai directo para a empresa que faz o trabalho. Então, quando os trabalhos começam, a empresa de repente desaparece, com o dinheiro roubado e com alguns pilares a erguerem-se do solo.”
A construção da auto-estrada A3 começou em 1962 e ainda está longe de ser concluída
Muitos desses pilares são para a construção de viadutos nas 300 milhas da auto-estrada costeira A3, de Reggio Calabria a Nápoles, que receberam € 10 bilhões de financiamento da UE só na última década, e são os objectos que provam a fraude.
“Quando qualquer empresa de construção queria trabalhar na A3, a primeira pessoa que contactavam não era o prefeito local, mas sim o patrão Ndrangheta local”, disse Paolo Toscano, editor da Gazetta Calábria del Sud, o qual recebeu ameaças de morte pela cobertura das actividades Ndrangheta. “Eles teriam que pagar a esse patrão, uma comissões de três por cento, para que os seus locais de construção não fossem destruídos.”
A auto-estrada A3, que desafia a navegação por GPS e que tem sido marcada pela corrupção há mais de 50 anos
O caos causado pela infiltração da mafia no projecto da A3, pode ser visto ao percorrer os 40 quilómetros de Reggio Calabria a Gioia Tauro. Alguns dos projectos em curso apresentam sinais que datam de 1992, mas muitos estão desprovidos de trabalhadores.
Na cidade de Bagnara, sobre a qual a A3 se eleva ao longo de um viaduto de 380 metros de altura e que ainda não está terminado, o assunto virou piada para os seus moradores. Um deles, Gregorio Campira, reuniu fotos do viaduto em diferentes fases de construção ao longo dos anos, algumas das quais a preto e branco e que datam de 1973. “É como assistir a um filme, dia após dia, mas em câmara lenta. Será terminada? Eu duvido.” – diz Gregorio.
Em Julho de 2012, depois da investigações do Sr. di Palma à A3, a União Europeia recuperou 383 milhões € do financiamento entregue a Roma, alegando que o projecto está montado em obras fantasmas e subornos. O pagamento foi extremamente embaraçoso para o governo italiano, que está a tentar mostrar uma imagem de integridade financeira, quando já há rumores de ter que solicitar um resgate financeiro a Bruxelas.
“É uma boa notícia, a EU ter recuperado esse dinheiroa”, disse Vincenzo Scarpetta, do fórum de discussão, Europa Aberta . “Mostra no entanto, o quão vulneráveis os subsídios da UE são à fraude e má gestão e a necessidade de manter a vigilância sobre os subsídios futuros.”.
Bruxelas deve gostar de saber que o Sr. Giorgi, o prefeito de San Luca, está a planear novo “golpe” com funcionários italianos e da EU, para uma série de novos esquemas, onde se inclui um centro cultural para promover uma nova imagem “positiva”. Tal ocorre, apesar de um tribunal local ter aberto uma nova investigação, na semana passada, acerca de um projecto de construção de uma nova estrada que conduz à vila de San Luca. Na actual Calábria, ao que parece, todos os caminhos vão de alguma forma dar a San Luca. (fonte)
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União Europeia em todo o seu esplendor
Uma pequena correcção: a taxa de extorsão exigida pela máfia é chamada é designada de “pizzo”, e não “pizza” como foi indicado.
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obrigado
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