Tradução do artigo, What you don’t know about the United States – Iran agreements, de Thierry Meyssan
Rede Voltaire | Damasco (Síria) | 6 de Abril de 2015
O plano da Casa Branca
A ideia da Casa Branca era ter em conta os sucessos iranianos na Palestina, Líbano, Síria, Iraque e Bahrein e deixar Teerão desfrutar da sua influência nesses países querendo em troca a renuncia do Irão à expansão da sua revolução. Tendo abandonado a ideia de dividir o Médio Oriente com os russos, Washington olhava agora para a possibilidade de o distribuir entre a Arábia Saudita e Irão antes de retirarem as suas tropas.
O anúncio dessa possível divisão reforçou de repente a análise dos eventos regionais como sendo um conflito entre sunitas (sauditas) e xiitas (Irão), o que por si é um absurdo, uma vez que as religiões dos líderes locais muitas vezes não correspondem às religiões dos seus apoiantes.
No entanto, essa divisão traria o Médio Oriente de volta para o período do Pacto de Bagdad [1], em outras palavras à Guerra Fria, só que agora o Irão faria o papel da URSS e as zonas de influência seriam partilhadas de forma diferente. Para além do facto que isto só poderia irritar a actual Federação da Rússia, esta nova distribuição mandaria também Israel de volta para o período em que não tinha o guarda-chuva dos Estados Unidos.
Do ponto de vista do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, partidário da expansão do seu país «do Nilo ao Eufrates», tal é inaceitável. Ele tentou tudo ao seu alcance para sabotar a continuação do programa.
É por isso que, apesar de ter sido alcançado em Genebra no início de 2014 um acordo sobre a questão nuclear, a negociadora norte-americana, Wendy Sherman, apoiou-se nas reivindicações israelitas com a fim de aumentar as apostas. De repente, afirmou que Washington não iria só aceitar as garantias de que o Irão não construiria uma bomba atómica mas também exigiria garantias de que desistiria do seu desenvolvimento em mísseis balísticos. Esta exigência surpreendente foi rejeitada pela China e Rússia uma vez que tal não estava abrangida no Tratado de Não Proliferação ou nas competência dos 5 + 1.
Este novo desenvolvimento mostra que a bomba atómica nunca foi a preocupação dos Estados Unidos mesmo que a tenham usado como pretexto para conter o Irão com um cerco económico e monetário terrível. Além disso, o presidente Obama reconheceu-o implicitamente no seu discurso do 02 de Abril quando aludiu o decreto religioso do Líder Supremo que proíbe este tipo de arma [2].
Na realidade, a República Islâmica do Irão abandonou o seu programa nuclear militar pouco depois da declaração do Aiatolá Khomeiny contra as armas de destruição em massa em 1988. A partir desse momento, Teerão só continuou a investigação para fins civis, embora certos elementos dela possam ter implicações militares, como por exemplo, para abastecer navios de guerra. A posição do Imã Khomeiny tornou-se lei com o decreto religioso do Aiatolá Khamenei, a 09 de Agosto de 2005 [3].
Em todo o caso, embora Washington considere Benjamin Netanyahu um «fanático histérico» passou o ano de 2014 a tentar o acordo com o Tsahal (Forças de Defesa Israelitas – NdT). Progressivamente foi sendo criada a ideia de que na distribuição regional entre Arábia Saudita e o Irão, teria que haver um sistema de protecção para a colónia judaica.
O acordo nuclear e o fim das sanções foram assim adiadas. Washington organizou a revolta do Tsahal contra Benjamin Netanyahu convencida de que o primeiro-ministro não iria ficar no poder por muito tempo. Mas, apesar da criação dos Comandos para a Segurança de Israel e os apelos a quase todos os antigos oficiais superiores para não votarem em Netanyahu, este conseguiu convencer o eleitorado de que era o único homem para proteger a colónia judaica. Netanyahu foi reeleito.
No que diz respeito à Palestina, Washington e Teerão concordaram em congelar a situação Israelita e criar um Estado palestiniano em conformidade com os acordos de Oslo. Netanyahu, que espionava não só as negociações dos 5 + 1 mas também as conversações bilaterais secretas, reagiu violentamente e anunciou publicamente que enquanto fosse vivo Israel nunca aceitaria o reconhecimento do Estado Palestino. Assim, declarou que Tel Aviv não tinha nenhuma intenção de respeitar a sua assinatura nos acordos de Oslo e que tinha continuado com as negociações com a Autoridade Palestiniana ao longo dos últimos vinte anos, só para ganhar tempo.
Impacientes para acabarem com isso, Washington e Londres escolheram finalizar com a rebelião iemenita.
Os xiitas Hutis, aliados dos soldados fiéis ao ex–presidente Saleh exigiram e obtiveram a renúncia do presidente Hadi (presidente do Iémen -NdT), que de repente mudou de ideias. Na verdade, Hadi há muito tempo que não era legítimo nem legal. Ele tinha estendido o seu poder no final do seu mandato com base em compromissos que nunca tencionou respeitar. Nem os Estados Unidos nem o Reino Unido tinham qualquer simpatia particular a ambos os lados, lados esses que apoiaram alternativamente em diferentes momentos. Eles permitiram que a Arábia Saudita afirmasse que esta revolução foi um golpe de Estado para mais uma vez tentarem anexar o país. A operação militar para apoiar Aden (Cidade no Iémen – Ndt) foi organizada por Londres a partir do Estado pirata da «Somalilândia». Ao mesmo tempo, usando a crise iemenita como pretexto a Liga Árabe divulgou a parte árabe da nova NATO regional – a «Força Árabe Militar Conjunta».
Três dias depois, os acordos dos 5 + 1 negociados no ano anterior vieram a público [5].
No entanto, nesse meio tempo o secretário de Estado John Kerry e o seu homólogo iraniano, Mohammad Javad Zarif, passaram um dia inteiro a rever todos os pontos políticos em discussão. Foi decidido que Washington e Teerão reduzirão as tensões na Palestina, Líbano, Síria, Iraque e Bahrein nos próximos três meses e que o acordo de Genebra só será assinado no final de Junho, permanecendo o mesmo válido nos próximos dez anos se ambas as partes mantiverem as suas palavras.
É provável que ao longo dos próximos três meses o Sr. Netanyahu leve a cabo outra tentativa para sabotar o plano dos EUA. Não será portanto surpreendente se viermos a ver mais reclamadas acções terroristas ou assassinatos políticos, cuja responsabilidade poderá ser atribuída a Washington ou ao Teerão, cujo fim a atingir é só sabotar a assinatura do Acordo de Genebra programado para 30 de Junho de 2015.
No entanto, será lógico que Washington incentive a evolução política em Israel a qual poderá limitar os poderes do primeiro-ministro Netanyahu. É nesse sentido que deverá ser lido o discurso muito difícil do presidente Reouven Rivlin (actual presidente de Israel – NdT), quando deu posse a Netanyahu na formação do próximo governo.
Iémen nunca foi examinado no âmbito das discussões bilaterais. Se o acordo for assinado o Iémen pode vir a ser, o único ponto remanescente de conflito na região ao longo dos próximos dez anos.
Enquanto Washington conclui o acordo com Teerão e promove uma aliança militar em torno da Arábia Saudita, conduz ao mesmo tempo a política inversa com as sociedades destes dois Estados. Por um lado, favorece a divisão da região entre Estados e, por outro, fragmenta as sociedades através do terrorismo chegando ao ponto de criar um sub-Estado terrorista, o Emirado Islâmico («Daesh»).
Inicialmente, os Estados Unidos tinham planeado constituir a Força Árabe Militar Conjunta com os Estados do Golfo e Jordânia e mais tarde talvez com Marrocos. Há uma coerência entre os regimes em causa. No entanto, o país Omã manteve a sua distância apesar de ser membro do Conselho da Cooperação do Golfo. A Arábia Saudita está a tentar usar a sua influência para oferecer a adesão ao Egipto e Paquistão apesar deste último não ser um país árabe.
No que diz respeito ao Egipto, Cairo não tem nenhum espaço de manobra e terá de concordar com todos os pedidos, sem nunca se envolver na acção. O país não tem meios de subsistência, só é capaz de alimentar a sua população com a ajuda internacional, por outras palavras, com a ajuda da Arábia Saudita, dos Emirados Árabes Unidos, da Rússia e dos Estados Unidos.
O Egipto viu-se arrastado na operação «Decisive Tempest» no Iémen, mais uma vez ao lado do Sul tal como foi durante a guerra civil (1962-1970), com a excepção de que desde então os ex-comunistas tornaram-se membros da Al-Qaida e Cairo é agora aliado da monarquia saudita. Claramente, o Egipto precisa sair dessa bagunça o mais rapidamente possível.
Além do Levante e do Golfo, a evolução da situação regional vai causar problemas à Rússia e China. Para Moscovo, enquanto o cessar fogo de dez anos é uma boa notícia, não é fácil ter que abandonar as suas esperanças no proveito do Irão, simplesmente porque levou muito tempo a reconstruir as suas forças depois da dissolução da URSS. Este é o ponto do acordo com a Síria em desenvolver o porto militar de Tartous. A marinha russa tem de recuperar um lugar durável no Mediterrâneo, tanto na Síria como no Chipre.
Em relação à China, o cessar fogo americano-iraniano vai levar rapidamente à transferência do GI do Golfo para o Extremo Oriente. O Pentágono considera já a construção da maior base militar do mundo em «Brunei». Para Pequim é vital colocar as suas forças armadas ao mesmo nível – a China tem de estar pronta para enfrentar o império dos Estados Unidos antes que os EUA estejam prontos para a atacar.
[1] The Middle East Treaty Organisation (or Central Treaty Organisation – CENTO) or « Bagdad Pact » was a regional alliance, first of all piloted by London, then by Washington, although the United States are not members, in order to contain Soviet influence as well as to secure the pro-Western powers. It was signed in 1955 and ended in 1974 with the Turko-Cypriot war. It was officially dissolved in 1979 by the Iranian Revolution. It concerned Iraq, Iran, Pakistan, Turkey, and the United Kingdom.
[2] “Barack Obama on Framework to Prevent Iran from Obtaining Nuclear Weapons”, by Barack Obama, Voltaire Network, 2 April 2015.
[3] There is an exhaustive study of the Iranian nuclear crisis in – « Who’s afraid of Iran’s civil nuclear programme ? », by Thierry Meyssan, Voltaire Network, 30th June 2010.
[4] “Obama Rearms”, by Thierry Meyssan, Translation Roger Lagassé, Voltaire Network, 10 February 2015.
[5] “Parameters for a Joint Comprehensive Plan of Action regarding the Islamic Republic of Iran’s Nuclear Program (summary)”, Voltaire Network, 2 April 2015.
muitas vozes credíveis se têm levantado ao longos dos anos
Wesley Clark em 2007 deu uma entrevista onde referiu os planos de ataque dos Estados Unidos para os 5 anos seguintes (começa no segundo 21). Aqui podemos vê-lo a referir que a desestabilização do Médio Oriente já estava planeada há muito tempo
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