Tradução do relatório “Border Control from Hell: How the EU’s migration partnership legitimizes Sudan’s “militia state” (Controlo de Fronteiras do Inferno: Como a parceria de migração da UE legitima as “milícias do estado” do Sudão) de Suliman Baldo – Abril 2017
Nota do tradutor: links indicados dentro de « » e realces desta cor, são da minha responsabilidade
A análise minuciosa das recentes acções e declarações de autoridades do governo sudanês, comandantes das Rapid Support Forces (RSF) (Forças de Apoio Rápido -Ndt) e outros líderes militares sudaneses, revelam os desejos, as motivações oportunistas, as tácticas por trás da capitalização do regime de Cartum, no que diz respeito às questões da migração e tráfico humano, visando o seu próprio ganho político e económico.
O regime sudanês viu na parceria com a UE, a oportunidade política de utilizar a cooperação em matéria de migração, como alavanca para melhorar a sua imagem e acabar com o seu isolamento internacional. Na parceria com a UE, o regime de al-Bashir vê potencial não só para melhorar as suas relações com a Europa, como também de utilizar esta última como alavanca para que os Estados Unidos levantem as sanções impostas nos anos 90, devido ao papel do Sudão no apoio ao terrorismo internacional e a ter cometido abusos no que diz respeito a direitos humanos.
Para além destes amplos objectivos relativos à política externa e económica de pôr termo ao isolamento do Sudão e melhorar a imagem do país, o regime também tinha necessidades imediatas de abastecimento militar, que os fundos da UE poderiam ajudar a resolver. O regime esperava reabastecer a frota de camiões pick up militarizados de quatro rodas das RSF, veículos altamente valorizados no deserto e na guerra das savanas. A lista de compras que a autoridade sudanesa apresentou às autoridades da UE que visitavam o país, incluíam centenas de camionetes. (44)
Durante um período de dois anos, o governo sudanês implementou habilmente uma série de tácticas para ganhar o financiamento da UE no Processo de Cartum (plataforma para a cooperação política entre os países ao longo da rota de migração entre o Corno de África e a Europa -Ndt) e, em última análise, ver em Janeiro de 2017 o abrandamento das sanções dos EUA.
Em primeiro lugar, na sua pressa de obter o reconhecimento e o elogio da UE na fase inicial da implementação do Processo de Cartum, o Sudão empreendeu acções altamente visíveis para demonstrar a sua determinação e capacidade de cumprir as promessas de travar a migração. O governo sudanês mobilizou as RSF para assegurar as fronteiras do norte com a Líbia, lançando a implementação dos seus compromissos decorrentes da parceria, para reforçar a protecção das fronteiras. (45) «45»
O governo sudanês também prendeu e forçou repatriamentos a centenas de imigrantes eritreus, uma exposição destinada a alertar possíveis migrantes para a Líbia, de que poderiam ser interceptados da mesma forma.
Embora este esforço visasse, em parte, demonstrar à União Europeia a capacidade do governo sudanês de parar a migração irregular, as medidas de repressão aos imigrantes por parte das forças de segurança no início e final de Maio de 2016, mereceram crítica internacional. Os eritreus expulsos suportaram a punição do seu governo sob a forma de detenção num campo de reabilitação na fronteira com o Sudão. (46) «46» «46»
No Outono de 2016, o regime sudanês organizou uma campanha concertada para pressionar a União Europeia a fornecer mais apoio técnico e monetário do que o planeado originalmente.
No outono de 2016, após o primeiro esforço para demonstrar a vontade de conter a migração, o regime sudanês organizou uma campanha concertada para pressionar a União Europeia a fornecer mais apoio técnico e monetário do que o planeado originalmente. Esta campanha, que teve início em Setembro de 2016, implicou a estratégia de mensagens consistentes levadas a cabo pelas autoridades do regime, que apelaram à UE para aumentar a sua assistência monetária, que o governo sudanês claramente via como frustrantemente insuficiente.
A decisão da UE de combinar 40 milhões de euros com fundos de desenvolvimento dirigidos por agências internacionais e organizações de ajuda que trabalham em projectos de reabilitação no país, parece ter aumentado a frustração de Cartum. (47)
Quantoas prisões e os repatriamentos dos eritreus levado a cabo pelo governo sudanês, e a sua campanha de mensagens a pedir uma maior soma de dinheiro (menos restrito), não conseguiram o resultado desejado, alguns funcionários do regime optaram por uma linha mais dura, com ameaças e ultimatos. Em vez de apelarem a um financiamento adicional da UE em linguagem diplomática, Hemmeti, o comandante das RSF, disse em finais de Agosto de 2016 que a União Europeia deveria pagar os fundos ou então suas forças deixariam a fronteira do Sudão aberta para os migrantes atravessarem até à Líbia. (não aprendemos nada – Ndt)
Hemmeti chegou a afirmar que as RSF haviam detido 20 mil migrantes na companhia de traficantes de seres humanos e confiscado os veículos destes últimos. “Estamos a trabalhar arduamente a favor da Europa para conter os migrantes”, disse Hemmeti, “e se os nossos valiosos esforços não forem bem apreciados, vamos (re)abrir o deserto para os migrantes”. (48) «48»
Al-Intibaha, um jornal diário de Cartum, citou Hemmeti, ao este exigir um “resgate” da UE para a transferência de traficantes de migrantes detidos. (49) Mais tarde, um ministro de Estado negou terem sido feitos pedidos de resgate, mas reforçou ser insuficiente o financiamento da Europa para lidar com a migração, tendo em conta os desafios que o Sudão enfrentava. 50 «50»
Hemmeti continuou publicamente a repetir as suas exigências sobre o aumento dos fundos da UE. (51) «51»
Algumas semanas após a declaração inicial de Hemmeti, Babiker Ahmed Digna, ministro do Interior do Sudão, numa conferência de imprensa no Centro dos media do Sudão, repetiu a ameaça do comandante das RSF, de deixar abertas as fronteiras do Sudão com a Líbia. Digna disse ainda que a cooperação do Sudão no estancamento da migração dependia directamente da entrega de aviões e sistemas de radar da UE, para melhorar as capacidades técnicas de monitorização das fronteira do Sudão.
Ele afirmou ter dito anteriormente, “Porque é que o Sudão deve suportar as perdas de elementos das suas forças em tiroteios com traficantes de seres humanos e a perda de veículos acidentados? Vocês apoiam-nos e paramos o trânsito, nós no Sudão, não somos prejudicados por pessoas que atravessam nosso país e que são contrabandeadas por traficantes (para a Europa) “. 52 «52»
Outros comandantes militares sudaneses, incluindo o chefe do Estado-Maior das forças terrestres e comandantes superiores da polícia nacional e do Serviço Nacional de Inteligência e Segurança (NISS) também falaram à imprensa, descrevendo as necessidades específicas das suas respectivas forças, de forma a gerirem efectivamente o problema dos migrantes “em nome da Europa”. 53 «53»
No final de Agosto de 2016, o Sudan Vision, jornal diário em língua inglesa, revelou finalmente o objectivo subjacente ao ataque dos media que durou várias semanas, ao noticiar que “o Sudão pediu que a comunidade internacional assumisse as suas responsabilidades sobre a questão do tráfico de seres humanos, tráfico que apresenta um grande aumento pelas mãos das redes criminosas internacionalmente organizadas. O Sudão criticou as posturas de alguns países ocidentais que, segundo ele, classificam Cartum como não cooperante, apesar dos grandes esforços exercidos pelo governo sudanês para combater a migração”. (54) «54»
Em Outubro de 2016, Hemmeti (comandante desde 2012 das Forças de Apoio Rápido (RSF) – Ndt) voltou a fazer manchete, ao dizer à agência oficial de notícias do Sudão, que o envolvimento do Sudão nos esforços ao combate do tráfico de seres humanos, iria estar condicionado ao levantamento das sanções económicas.
“As Forças de Apoio Rápido lutam para impedir os traficantes e estão envolvidas no combate ao tráfico, acções do interesse da comunidade internacional”, disse Hemmeti. “Se a comunidade internacional responder positivamente às demandas do povo sudanês, então as RSF estarão prontas para resolver de forma definitiva o tráfico de seres humanos e as operações de extremismo”. (55) «55»
Algumas das ostentações e ameaças dos líderes sudaneses foram provavelmente exageradas. A alegação de Hemmeti de que as RSF tinham detido 20.000 migrantes, contradiz os 816 imigrantes presos (84 sudaneses, 130 etíopes, 347 eritreus, 54 somalis e 2 sírios), dados fornecidos pelo Ministério da Defesa. (56) «56»
Hemmeti também alegou que as RSF perderam 150 “carrinhas” e recitou as suas exigências por um maior apoio financeiro para as suas forças, presumivelmente para ajudar a reabastecer ou a aumentar o estoque dos seus veículos militares. (57)
Autoridades sudaneses também alegaram que as RSF perderam 25 soldados e 315 ficaram feridos em tiroteios com traficantes.(58) «58»
Altos funcionários e representantes do governo sudanês, também alegaram falsamente, na forma de mensagens à União Europeia, que o Sudão era “apenas um país de trânsito” para os migrantes. O Sudão é, na realidade, uma significativa fonte, país de trânsito e de destino para migrantes. (59) «59» «59»
Os líderes sudaneses ofuscam o deslocação à força de milhões de pessoas, devido às próprias políticas opressivas do regime e os ataques contra a população. Como referiu a Comissão Europeia nas suas próprias publicações, cerca de 5,8 milhões de pessoas no Sudão (15% da população) necessitam de ajuda humanitária da comunidade internacional. 60 «60»
Cerca de 3,3 milhões estão sozinhas em Darfur (região a oeste do Sudão – Ndt). 61 «61»
Existem cerca de 3,2 milhões de pessoas que estão internamente deslocadas no Sudão, 2,6 milhões delas em Darfur e cerca de 600 000 nos estados do Kordofan do Sul e do Nilo Azul. 62 «62»
Há anos, que os civis dessas três áreas em particular, são fortemente atacados por forças apoiadas pelo governo sudanês, originando a deslocação de massas em larga escala dentro do país, bem como o envio de populações sudanesas para além das fronteiras internacionais, em busca de segurança e de oportunidades económicas, indisponíveis devido às políticas do seu próprio governo.
Uma revisão com data de Fevereiro de 2016, de uma literatura preparada para o programa de Contribuição para Estabilidade e Paz da Comissão Europeia, concluia que:
“os migrantes sudaneses são um grupo misto de refugiados e requerentes de asilo, migrantes económicos e, em menor grau, estudantes estrangeiros. A maioria são homens com idades compreendidas entre os 25-40, oriundos de uma ampla gama de extractos socioeconómicos e educacionais. A maioria dos refugiados e dos requerentes de asilo encontra-se nos países vizinhos. No final de 2014, havia um menor número de migrantes sudaneses nos países ocidentais, com 16.901 titulares de autorização de residência na UE284.” 63 «63»
A revisão da literatura para os legisladores europeus também observava:
“Em 2014, haviam 5.891 refugiados sudaneses na UE. A maioria estava no Reino Unido, França, Noruega, Suécia e Itália. Comparando com os dados de 2015, haviam 244.042 refugiados sudaneses no Sudão do Sul, 299.799 pessoas de origem sudanesa em dificuldade no Chade, 37.113 em dificuldade na Etiópia e 10.040 refugiados no Quénia.” 64 «64»
De acordo com relatórios do governo do Reino Unido, no ano que terminou em Setembro de 2015, os 2.842 sudaneses representavam o segundo maior número de requerentes de asilo no Reino Unido, atrás dos candidatos da Eritreia e à frente dos candidatos iranianos e sírios. 65 «65»
Os líderes sudaneses, numa outra táctica de mensagens estratégicas para a Europa a cerca dos fundos para lidarem com a migração, afirmaram consistentemente que o seu governo estava empenhado na gestão da migração “para prestar serviço à Europa.” Esta linha oficial e a referência à “prestação de serviços” (troca com compensação financeira) reforça a justificação do governo sudanês em extrair o máximo retorno financeiro da sua cooperação reforçada com a Europa.
O Movimento de Libertação do Povo do Sudão, grupo de oposição armada nos Estados do Kordofan do Sul e do Nilo Azul, viu nos argumentos oficiais dos principais comandantes de segurança sudaneses e do porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, uma tentativa de Cartum extrair um maior financiamento da UE para subsidiar a sua principal força contra as insurreições, as RSF, ainda antes da ofensiva 67 «67» estação seca anual. 66 «66» «66» (A ofensiva não ocorreu este ano, apenas porque os Estados Unidos, impuseram como condição a redução da violência, condição para o levantamento total, em Julho de 2017, das sanções contra o Sudão inicialmente aliviadas em Janeiro de 2017.) A União Europeia, por sua vez, emitiu um comunicado de imprensa, e negou que qualquer dos seus financiamentos tenha sido dado directamente a agências governamentais e afirmou que nenhum foi para as RSF. 68 «68»
Embora a UE não possa reabastecer directamente a frota de mini-camiões de tracção às 4 rodas das RSF, que alegam ter perdido nos confrontos com os traficantes de migrantes, elas poderão ainda ser reforçadas e encorajadas com programas de “reforço das capacidades” que as beneficiam, bem como a outras agências de aplicação da lei, ao abrigo do pacote de ajuda da UE.
Um Insaciável apetite por rápidos dividendos políticos e monetários
A Economia Política da Violência das “milícias do estado” do Sudão