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Tradução do artigo Le nouveau monde surgit devant nous
De Thierry Meyssan
Thierry Meyssan enfatiza a extrema gravidade, não da retirada dos EUA da Síria, mas do colapso dos actuais índices de referência do mundo. Segundo ele, estamos a entrar num curto período de transição, durante o qual os actuais mestres do jogo, os «capitalistas financeiros» – e aqueles a quem ele se refere desta forma nada têm a ver com o capitalismo original, nem com a banca original – vão ser afastados em favor das regras legais estabelecidas pela Rússia em 1899.
Rede Voltaire / Damasco (Síria) 22 de Outubro de
O rei Salman recebe o presidente Vladimir Putin, o pacificador
É um momento que só acontece uma ou duas vezes num século. Está a surgir uma nova ordem mundial. Todas as referências anteriores desaparecem. Os que estavam condenados ao descrédito triunfaram enquanto os que governavam foram jogados no inferno. As declarações oficiais e as interpretações dos jornalistas obviamente não correspondem mais aos eventos que se sucedem. Os comentaristas devem mudar rapidamente o discurso, alterá-lo completamente ou serão engolidos pelo turbilhão da História.
Em Fevereiro de 1943, a vitória soviética sobre o Reich nazi marcou a viragem da Segunda Guerra Mundial. A sequência de eventos foi inevitável. Era, no entanto, necessário aguardar pelo desembarque anglo-americano na Normandia (Junho de 1944), a conferência de Yalta (Fevereiro de 1945), o suicídio do chanceler Hitler (Abril de 1945) e, finalmente, a capitulação do Reich (8 de Maio de 1945) para ser ver surgir este novo mundo.
Num ano (de Junho de 1944 a Maio de 1945), o Grande Reich foi substituído pelo duopólio soviético-americano. O Reino Unido e a França, que ainda eram as duas primeiras potências mundiais, doze anos antes, testemunhariam a descolonização dos seus impérios.
É um momento como este que vivemos hoje.
Cada período histórico tem seu próprio sistema económico e constrói uma superestrutura política para o proteger. No final da Guerra Fria e com a dissolução da URSS, o pai do presidente Bush desmobilizou um milhão de militares americanos e confiou a busca da prosperidade aos chefes das suas multinacionais. Formaram uma aliança com Deng Xiaoping, transferiram empregos dos EUA para a China que se tornou na oficina mundial. Longe de oferecer prosperidade aos cidadãos dos EUA, eles monopolizaram os seus lucros, provocando gradualmente o lento desaparecimento da classe média ocidental. Em 2001, financiaram os ataques do 11 de Setembro para impor ao Pentágono a estratégia de destruição das estruturas estatais de Rumsfeld / Cebrowski. O filho do presidente Bush transformou o “Médio Oriente alargado” num teatro de “guerra sem fim”.
A libertação numa semana de um quarto do território sírio não é apenas vitória do presidente Bashar al-Assad, «o homem que há oito anos devia partir», mas marca o fracasso da estratégia militar em estabelecer a supremacia do capitalismo financeiro. O que parecia inimaginável aconteceu. A ordem do mundo mudou. A sequência de eventos é inevitável.
A tão esperada recepção do presidente Vladimir Putin na Arábia Saudita e nos Emirados Árabes Unidos atesta a dramática reviravolta das potências do Golfo que balançam agora para o campo russo.
A redistribuição igualmente espectacular de cartas no Líbano sanciona o mesmo fracasso político do capitalismo financeiro. Num país dolarizado onde há um mês não se encontra mais dólares, onde os bancos fecham os seus balcões e os saques são limitados, não são as manifestações anticorrupção que impedirão a derrubada da ordem antiga.
Espalham-se as convulsões da antiga ordem. O presidente equatoriano, Lenín Moreno, atribui a revolta popular às medidas impostas pelo capitalista financeiro ao seu predecessor, Rafael Correa que vive exilado na Bélgica, e ao símbolo da resistência a esta forma de exploração humana, o presidente Nicolás Maduro.
O Reino Unido já retirou as suas forças especiais da Síria e está a tentar sair do estado supranacional de Bruxelas (União Europeia). Depois de pensar em preservar o Mercado Comum (projecto de Theresa May), decidiu romper com toda a construção europeia (projecto de Boris Johnson).
Após os erros de Nicolas Sarkozy, de François Hollande e de Emmanuel Macron, a França perde repentinamente toda a credibilidade e influência.
Os Estados Unidos de Donald Trump deixam de ser a “nação indispensável”, o “polícia do mundo” a serviço do capitalismo financeiro para se tornar novamente uma grande potência económica. Eles retiram seu arsenal nuclear da Turquia e estão a preparar-se para fechar o CentCom no Catar.
A Rússia é reconhecida por todos como o “pacificador”, triunfando sobre o Direito Internacional que criou ao convocar, em 1899, a “Conferência Internacional para a Paz” em Haia, cujos princípios foram desde então pisados pelos membros da NATO.
A Conferência Internacional da Paz de 1899. Levou mais de um século para entender as suas implicações.
Tal como a Segunda Guerra Mundial pôs fim à Liga das Nações para criar a ONU, este novo mundo provavelmente dará origem a uma nova organização internacional baseada nos princípios da Conferência do Czar Russo Nicolau II de 1899 e do Prémio Nobel da Paz em 1899, o francês Léon Bourgeois. Isso exigirá em primeiro lugar a dissolução da NATO, que tentará sobreviver expandindo-se para o Pacífico e para a União Europeia, Estado refúgio do capitalismo financeiro
Tem que se entender bem o que está a acontecer. Estamos a entrar num período de transição. Lenine disse em 1916 que o imperialismo era o estágio mais alto da forma de capitalismo, que desapareceu com as duas guerras mundiais e com a crise do mercado de acções de 1929. O mundo de hoje é o do capitalismo financeiro que destrói as economias uma a uma, em benefício exclusivo de alguns super-ricos. Seu estágio supremo pressupunha a divisão do mundo em dois: de um lado os países estáveis e globalizados, do outro, regiões do mundo privadas de Estados, reduzidas a meras reservas de matérias-primas. Este modelo, desafiado pelo presidente Trump nos Estados Unidos, pelos colectes amarelos na Europa Ocidental ou Síria no Levante, agoniza diante de nossos olhos.
Obras relacionadas:
livro de Daniel Estulin, “Nos bastidores de Trump, da Rússia e do Mundo”.