Nota: links dentro de «» e realces desta cor são da minha responsabilidade
Tradução do artigo L’Iran, d’anti-impérialiste redevient impérialiste (1/2) de Thierry Meyssan
A história do Irão nos séculos XX e XXI não corresponde à imagem que os ocidentais têm dele, nem ao que os discursos oficiais iranianos transmitem. Historicamente ligado à China e há dois séculos fascinado pelos Estados Unidos, o Irão luta entre a memória do seu passado imperial e o sonho libertador de Rouhollah Khomeini. Considerando que o xiismo não é apenas uma religião, mas também uma arma política e militar, ele hesita entre se autoproclamar o protector dos xiitas ou o libertador dos oprimidos. Estamos a publicar um estudo de duas partes de Thierry Meyssan sobre o Irão contemporâneo.
Rede Voltaire Damasco (Síria) 4 de Agosto de 2020
Os persas construíram vastos impérios unindo povos vizinhos em vez de conquistar os seus territórios. Comerciantes em vez de guerreiros, impuseram a sua língua por um milénio em toda a Ásia, ao longo da Rota da Seda da China. O farsi, (Língua oficial do Irão- Ndt:) falada nos nossos tempos somente por eles, tinha um status comparável ao inglês na actualidade. No século 16, o seu soberano decidiu converter o seu povo ao «xiismo» a fim de o unificar, dando-lhe uma identidade distinta dentro do mundo muçulmano. Este particularismo religioso serviu de base para o Império Safávida (dinastia xiita iraniana formada por azeris e curdos – Ndt).
No início do século 20, o país teve que enfrentar os apetites ferozes do império britânico, otomano e russo. Em última análise, no fim de uma terrível fome deliberadamente causada pelos britânicos e que matou 6 milhões de pessoas, Teerão perde o seu império enquanto Londres impõe em 1925 uma dinastia de opereta, a dos Pahlevi, para poder explorar os campos de petróleo em seu próprio benefício.
Em 1951, o primeiro-ministro Mohammad Mossadegh nacionalizou a empresa petrolífera Anglo-Persian Oil. Furiosos, Reino Unido e Estados Unidos conseguem derrubá-lo e manter a dinastia Pahlavi. Para combater os nacionalistas, transformaram o regime numa ditadura terrível, libertaram das suas prisões um ex-general nazi, Fazlollah Zahedi, e colocaram-no como primeiro-ministro. Este último criou uma força policial política, a SAVAK, cujo executivos eram ex-oficiais da Gestapo (Rede «Stay-behind»).
De qualquer forma, este episódio despertou a consciência do Terceiro Mundo para a exploração económica de que era vítima. Ao contrário do colonialismo francês, o colonialismo britânico é apenas uma forma de pilhagem organizada. Antes desta crise, as empresas petrolíferas britânicas não pagavam mais do que 10% dos seus lucros às populações que exploravam.
Se os britânicos clamam por roubo perante a nacionalização (Anglo-Persian Oil – Ndt), os Estados Unidos aliaram-se a Mossadegh e propuseram uma divisão 50/50. Liderado pelo Irão, esse reequilíbrio continuará em todo o mundo ao longo do século XX.
Gradualmente, dois movimentos principais de oposição começam a surgir dentro da burguesia: primeiro os comunistas apoiados pela União Soviética, depois os terceiro-mundistas em torno do filósofo Ali Shariati. Mas é um clérigo, Rouhollah Khomeini, que sozinho consegue acordar os mais desfavorecidos. Segundo ele, é bom chorar o martírio do Profeta Hussein, mas é muito melhor seguir o seu exemplo e combater a injustiça; um ensinamento que o fez ser considerado herético pelo resto do clero xiita. Após 14 anos de exílio no Iraque, Ali mudou-se para a França, onde impressionou muitos intelectuais de esquerda, como Jean-Paul Sartre e Michel Foucault.
Os ocidentais fizeram do xá Reza Pahlevi o «policia do Médio Oriente». Ele providenciou que os movimentos nacionalistas fossem esmagados. Sonha em religar-se ao passado esplendor do seu país, cujos 2.500 anos celebra com o esplendor de Hollywood, numa vila de tendas em Persépolis. Durante o choque do petróleo de 1973, ele percebeu o poder que estava à sua disposição.
Ele planeia restaurar um império real e pede ajuda aos Saud que imediatamente informam os Estados Unidos. Estes, decidem eliminar o seu aliado Pahlevi, pois tornou-se muito ganancioso, e substituí-lo pelo velho aiatola Khomeini (77 anos na época) a quem cercarão com os seus agentes.
Mas antes de tudo, o MI6 abre caminho: os comunistas são presos, o Imã dos pobres, o libanês Moussa Sadr, desaparece durante uma visita à Líbia e Ali Shariati é assassinado em Londres. Os ocidentais convidam o Xá doente a deixar seu país por algumas semanas em busca de tratamento.
No dia 1 de Fevereiro de 1979, o aiatola Khomeini retornou triunfante do exílio. Mal aterrou entrou num helicóptero e voou até ao cemitério da cidade, onde 600 pessoas tinham acabado de serem enterradas, após massacres durante uma manifestação contra o Xá. Para espanto de todos, ele faz um discurso, não contra a monarquia, mas violentamente anti-imperialista. Ele incita o exército a não servir mais o Ocidente, mas o povo iraniano. A mudança de regime organizada pelas potências coloniais transforma-se instantaneamente em revolução.
Khomeini impõe um regime político não vinculado ao Islão, o Velayat-e faqih, inspirado na República de Platão da qual é um grande leitor: o governo será colocado sob a orientação de um sábio, neste caso ele próprio. Dispensa todos os políticos pró-Ocidente, um por um.
Washington reagiu e organiza várias tentativas de golpe militar, seguidas de uma campanha de terrorismo levada a cabo por ex-comunistas, os Mujahedin do Povo. Por fim, Washington acaba por pagar – via Kuwait – ao governo iraquiano de Saddam Hussein como força contra-revolucionária. Seguiu-se uma guerra de uma década na qual o Ocidente cinicamente apoiou os dois lados. Para se armar, o Irão não hesita em comprar armas americanas a Israel («caso Irão-Contras»).
Khomeini está a transformar a sociedade. Ele desenvolveu entre o seu povo o culto aos mártires e um extraordinário senso de sacrifício. Quando o Iraque bombardeia civis iranianos com mísseis indiscriminados, ele proíbe os seus militares de retaliar da mesma forma, alegando que as armas de destruição em massa são contrárias à sua visão do Islão; o que prolongou a luta um pouco mais.
Depois de um milhão de mortes, Saddam Hussein e Rouhollah Khomeini percebem que são uns brinquedos na mão do Ocidente. Então fazem as pazes. A guerra termina como começou, sem motivo. O sábio velho morreu pouco depois, não sem nomear o seu sucessor, o aiatola Ali Khamenei. Os dezasseis anos seguintes são dedicados à reconstrução. O país está exangue e a revolução nada mais é do que um slogan sem conteúdo. Continua-se a gritar «morte à América!» nos sermões de sexta-feira, mas o «Grande Satã» e o «regime sionista» tornaram-se parceiros privilegiados.
Os presidentes Hachemi Rafsanjani e depois Mohammad Khatami, organizam a economia em torno das receitas do petróleo. A sociedade afrouxa e as diferenças de riqueza aumentam novamente.
Rafsanjani, que fez fortuna com o tráfico de armas no “caso Irão-Contras”, convence Ali Khamenei a enviar Guardas Revolucionários para lutar na Bósnia-Herzegovina ao lado dos sauditas e sob as ordens da NATO. Khatami, entretanto, estabelece uma relação pessoal com o especulador George Soros.
O Irão anti-imperialista torna-se novamente imperialista – (2/2)