Quem destruiu o Líbano e porquê?
Nota: links dentro de «» e realces desta cor são da minha responsabilidade
Tradução do artigo Qui détruit le Liban et pourquoi ?
Embora a destruição dos cinco Estados do Médio Oriente nas últimas duas décadas tenha exigido guerras mortais, a destruição do Líbano foi realizada pelos próprios libaneses, sem que eles percebessem. A resistência viu o país desmoronar desamparadamente. De facto, é possível vencer uma guerra sem ter que lutar.
Rede Voltaire / Paris (França) 22 de Dezembro de 2020


Mais de metade dos Libaneses não come o necessário
Em questão de meses, o Líbano, que muitas vezes – erroneamente – foi apresentado como «o único Estado árabe democrático», ou mesmo como «a Suíça do Médio Oriente», entrou em colapso. Sucessivamente, as manifestações populares contra a classe política (Outubro de 2019), uma crise bancária (Novembro de 2019), uma crise de saúde (Julho de 2020), uma explosão no porto de Beirute (Agosto de 2020), causaram o súbito desaparecimento das classes médias e uma queda geral dos padrões de vida em cerca de 200%.
Do ponto de vista libanês, esse horror seria devido à gestão catastrófica do país pela classe política, cujos líderes seriam todos corruptos, excepto o chefe da comunidade de fé. Esse preconceito absurdo revela uma população intolerante e mascara a realidade.
Desde a ocupação otomana [1], particularmente desde a independência em 1942, e ainda mais desde a guerra civil (1975-90), a população libanesa não forma uma Nação [2], mas um agregado de comunidades confessionais. A Constituição e os Acordos de Taëf atribuem todas as funções políticas e doravante todos os empregos públicos, não de acordo com as capacidades dos cidadãos, mas de acordo com as cotas comunitárias.
Cada comunidade escolheu os seus líderes, geralmente antigos senhores da guerra civil, reconhecidos pela comunidade internacional. Eles geriram em seu próprio nome os subsídios que as antigas potências coloniais ofereciam para a sua comunidade. Eles alocaram a si, royalties surpreendentes, que transferiram durante um longo tempo para o exterior, mas também distribuíram grandes somas de dinheiro para manter a sua “clientela”, como os antigos senadores romanos. Portanto, é perfeitamente estúpido acusá-los hoje de corrupção, quando são celebrados há décadas pelo mesmo trabalho.
Esse sistema foi mantido pelos Estados Unidos e União Europeia. Por exemplo, o presidente do Banco do Líbano, Riad Salamé foi celebrado como o melhor ganhador de dinheiro do mundo ocidental antes de ser acusado de esconder centenas de milhões de dólares em contas pessoais no Reino Unido. Ou, a Alta Representante da União Europeia, Federica Mogherini, ter afirmado conceder ajuda ao Líbano para resolver a sua crise de resíduos enquanto ajudava os dois ex-primeiros-ministros, Saad Hariri e Najib Mikati, a desviar cem milhões dólares dessa soma [3].
Só os libaneses, que foram mantidos em estado de inconsciência política por oitenta anos e que ainda não entenderam o que viveram durante a guerra civil, não perceberam. Como não perceber que o colapso do Líbano se seguiu ao do Iémen, Síria, Líbia, Iraque e Afeganistão? Como não perceber que, em 2001, o secretário de Defesa dos Estados Unidos, Donald Rumsfeld e seu assessor, o almirante Arthur Cebrowski, defenderam a adaptação da missão das forças armadas dos Estados Unidos ao capitalismo financeiro emergente? Segundo eles, era preciso destruir todas as estruturas estatais em todos os estados do «Médio Oriente alargado» para que ninguém – inimigo ou amigo – pudesse impedir a exploração da região pelas multinacionais norte-americanas.
Se admitirmos que esta «Guerra sem fim» (sic), proclamada pelo presidente George W. Bush, de facto continua, devemos verificar que a destruição das estruturas estatais do Líbano foi feita a baixo custo.
No entanto, dada a eficácia da resistência libanesa, era conveniente atingir esse objectivo por meios não militares, para escapar à vigilância do Hezbollah. Tudo já tinha sido decidido em Abril de 2019, como evidenciado pela resposta dos EUA à delegação libanesa em visita ao Departamento de Estado dos EUA [4].
Quatro potências de coligação, os Estados Unidos, o Reino Unido, Israel e a França desempenharam um papel determinante neste plano.
-
O Pentágono estabeleceu a meta: destruir o Líbano e explorar os campos de gás e petróleo (plano do Embaixador Frederic C. Hof
-
Whitehall definiu o método [5]: manipular a geração pós-Guerra Civil para limpar o sistema actual sem o substituir. Seus especialistas em propaganda organizaram assim a chamada «Revolução de Outubro» que, ao contrário do que às vezes se pensava, não foi de forma alguma espontânea. [6]
-
Israel destruiu a economia com o controle de todas as comunicações telefónicas (excepto a rede privada do Hezbollah) e a sua implantação no sistema bancário global. Ele causou a derrota dos bancos convencendo os cartéis de drogas sul-americanos que haviam colocado os seus activos no Líbano a retirá-los abruptamente. Ele privou o país de seu pulmão económico, o porto, bombardeando-o com uma nova arma [7].
-
A França, entretanto, ofereceu privatizar tudo o que poderia ser privatizado e colocou em cena Saad Hariri para que isso acontecesse. Ela teve o cuidado de gritar palavras bonitas enquanto marginalizava o Hezbollah [8].
Em última análise, os próximos vinte anos devem ser dedicados a saquear o país, especialmente os seus hidrocarbonetos, enquanto os libaneses continuarão a culpar os bodes expiatórios e a ignorar os seus verdadeiros inimigos. O porto israelita de Haifa já substituiu parcialmente o de Beirute. Em última análise, o próprio país deveria ser dividido e a parte ao sul do rio Litani religada a Israel [9].
Porem, deve-se ter em mente, que a coligação EUA-Reino Unido-Israel-França não é formada por Estados iguais, mas comandada exclusivamente pelos Estados Unidos. Na Líbia, os Estados Unidos foram os únicos a embolsar a bonança do petróleo. Apesar das promessas feitas a eles, os seus aliados levaram com umas migalhas. O mesmo cenário pode acontecer novamente no Líbano. Nenhum dos seus aliados irá lucrar com o crime comum.
[1] Os Libaneses não reconhecem o Império Otomano como tendo sido uma potência colonial, o que, de facto, ele foi. NdA.
[2] Por definição, não sendo o Líbano uma nação não pode ser nem uma democracia, nem uma república. NdA.
[3] “Fundos europeus desviados por Mogherini, Hariri e Mikati”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 28 de Janeiro de 2020.
[4] “A Administração Trump contra o Líbano”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 3 de Maio de 2019.
[5] Uma fuga de documentos oficiais britânicos atesta este papel. Ler Complete infiltrating Lebanon (65,11 Mo). Os resultados ambicionados foram manifestamente conseguidos: os Libaneses amargam de tal maneira que não já não conseguem ver nem a origem dos seus problemas, nem as soluções ao alcance, cf. “Taking Lebanon’s Pulse after the Beirut Explosion”, Michael Robbins, Arab barometer, 15 de Dezembro 2020.
[6] «Los libaneses, prisioneros de su Constitución»,de Thierry Meyssan, Rede Voltaire , 22 de Outubro de 2019.
[7] “Israel brinca com os nervos dos Libaneses”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 4 de Outubro de 2020.
[8] “O péssimo teatro do Presidente Macron no Líbano”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 30 de Setembro de 2020.
[9] “Rumo a uma partição do Líbano?”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 15 de Outubro de 2020.
Gostar disto:
Gosto Carregando...
Relacionado