A Arte da Omissao

ACORDEM

As consequências económicas do boicote à Venezuela (1ª parte)

Tradução do artigo Las consecuencias económicas del boicot a Venezuela

da  Unidade Debates Económicos do  celagCentro Estratégico Latino-americano de Geopolítica, em 8 de Fevereiro de 2019

Notas do tradutor : links dentro de «» e realces desta cor são da minha responsabilidade

As consequências económicas do boicote à Venezuela (1ª parte)

As consequências económicas do boicote à Venezuela (2ª parte)

Continua….

Las consecuencias económicas del boicot a Venezuela

O calcanhar de Aquiles da América Latina continua a ser o seu sector externo. Os Estados Unidos estão conscientes desta fragilidade e utilizam-na a seu favor, tal como ocorre com Cuba, que há seis décadas está sujeita a um embargo no seu sector externo. Todos os países que hoje são descritos como “milagres económicos” de desenvolvimento recente, são-no porque em grande parte conseguiram reduzir a sua dependência do sector externo. Com efeito, a estratégia de desenvolvimento baseada nas exportações não é apenas uma política activa de desenvolvimento económico, é também uma política estratégica de soberania.

A história da América Latina mostrou que as crises começam e terminam com um desequilíbrio com o exterior, seja devido a uma queda nos preços internacionais das matérias-primas, a uma fuga maciça de moeda estrangeira ou a um desalinhamento no financiamento da dívida externa. Qualquer um destes caminhos detona, em última instância, numa crise de financiamento de divisas e num ajuste da economia doméstica através das taxas de câmbio.

No caso da Venezuela, a dependência é ainda mais crítica porque a oferta interna de bens está altamente dependente da quantidade de moeda estrangeira disponível para a importação. A Venezuela é um país que desde os anos 60 aprofundou a sua especialização produtiva em petróleo e, consequentemente, está altamente dependente das importações. O dólar é o insumo mais importante da oferta agregada e o seu sistema produtivo depende do financiamento do exterior para continuar reproduzindo. Sem uma entrada líquida de dólares para financiar o processo produtivo, a economia encolhe com a escassez de moeda estrangeira. O boicote económico que a Venezuela está a sofrer e que se intensificou logo após a assunção de Nicolás Maduro em 2013, é um sinal de que a integração total do comércio na globalização tem efeitos colaterais negativos, e entre eles os riscos geopolíticos que afectam o país hoje.

Nesta breve nota, fizemos uma estimativa contrafactual do efeito do boicote dirigido pelos EUA à Venezuela desde 2013 – e com maior ênfase desde 2015 -, quando cortaram o acesso ao mercado de crédito, repetindo a receita aplicada a Cuba, para asfixiar tanto comercialmente como financeiramente a economia e a sociedade. Utilizando um modelo macroeconómico de consistência, quantificamos o efeito do bloqueio financeiro sobre a produção no país e, consequentemente, sobre as condições do mercado de trabalho e migração.

Este trabalho demonstra que o bloqueio explica a maior parte da crise económica que afecta o país e que tem sido a principal causa de migração, e argumenta que a atitude internacional, ao atribuir a culpa total ao Governo da Venezuela, tem o mesmo sentido que as desculpas dos estupradores quando culpam a altura das saias.

Razões do bloqueio

Qual é a motivação que está por trás do boicote internacional liderado pelos EUA à  Venezuela?

Em primeiro lugar, temos que nos perguntar se a intervenção é realmente justificada por razões humanitárias. No nosso conhecimento, esse argumento colapsa quando constatamos que os Estados Unidos têm tido uma política muito hostil e orientada para o golpe em relação ao governo venezuelano desde Chávez, quando ainda não havia crise humanitária. Também colapsa quando provamos que a crise humanitária é a consequência directa do estilo de boicote que os EUA promoveram, através do instrumento da guerra económica baseada na hegemonia financeira.

Existem muitas razões que explicam as pretensões dos EUA sobre a Venezuela. Muitas delas são de natureza política e têm a ver com os desafios à sua hegemonia, facto que está na matriz do pensamento chavista e na aposta num mundo multipolar – desafiando a Doutrina Monroe – , com a participação aberta de actores extra-regionais, como China e Rússia. Não menos importantes são as razões de natureza económica. Estas últimas incluem desafios sem precedentes liderados pela Venezuela à hegemonia do dólar e à abundância de recursos naturais venezuelanos.

Em Economia, usamos o conceito da “maldição dos recursos”, que pode ser descrita como o efeito negativo no desenvolvimento gerado pela abundância de recursos naturais. Uma das tensões desta maldição é explicada pelo facto de que a disputa pelo controlo dos recursos leva a conflitos políticos que impedem o desenvolvimento. Alguns desses conflitos são internos [1], entre facções que os tentam controlar; outros, por outro lado, dependem de facções internas que representam interesses externos, como o boicote económico à Venezuela.

[1] Lam, R. y L. Wantchenkon (2002). Political Dutch Disease. NYU

Desafio venezuelano à hegemonia do dólar

Após a crise do petróleo dos anos 1970, os Estados Unidos terminaram unilateralmente com os acordos de «Bretton Woods», nos quais havia sido acordado que o sistema monetário global seria baseado no padrão-ouro.

Um dos gatilhos da crise foi o embargo petrolífero da Arábia Saudita e outros países árabes, a países que apoiaram Israel na Guerra de Yom Kippur, incluindo os EUA. Este últimos reagiram para impedir que qualquer outro país usasse o petróleo como arma contra a economia dos EUA. O acordo alcançado com os sauditas incluía a protecção de Washington a Riad contra qualquer ameaça externa, em troca das vendas de petróleo serem cotadas e pagas exclusivamente em dólares americanos. Desta forma, garantiram a procura artificial por dólares nas transacções económicas internacionais, passando a ser o novo pilar para cimentar o poder global da economia dos EUA.

O acordo foi a estratégia para conter o descrédito da moeda norte-americana após a desvalorização produzida com o final do apoio ao dólar. O novo padrão monetário deixou de vincular as reservas de dólares às reservas de ouro, para as vincular ao petróleo, de modo que qualquer país que precisasse comprar ou vender petróleo teria que obter os dólares para realizar a transacção. Isto criou a procura mundial por dólares que sustentaria o seu valor e credibilidade como uma nova moeda de reserva e circulação global.

Qualquer país que desafiou a hegemonia do dólar rapidamente recebeu a resposta americana, ou seja, através de embargos ou – se não forem eficazes – com algum tipo de intervenção militar. Dois países com grandes reservas de petróleo, como Iraque e Líbia, quando começaram a impulsionar a criação de sistemas alternativos para o comércio de petróleo que evitasse usar o dólar como moeda de transacção, sofreram intervenções dos EUA. Eles não são os únicos casos. As sanções à economia russa também se intensificaram depois das suas tentativas para criar mecanismos alternativos para colocar a oferta  do petróleo russo.

Da mesma forma, a Venezuela promoveu nas últimas duas décadas, juntamente com o processo de recuperação soberana dos seus recursos naturais, iniciativas que permitiriam livrar-se da dependência do dólar. Neste sentido, iniciativas como o «SUCRE», acordos bilaterais com outros países para negociar com outras moedas, as tentativas para criar um banco de financiamento regional como o Banco do Sul ou, mais recentemente, a criação da moeda criptografada Petro, representam desafios impulsionados pela Venezuela  à hegemonia do dólar. (Só um cego mental engole o que a comunicação social corporativa e escrava do império divulga e não vê o óbvio – Ndt)

O SUCRE [2], iniciativa criada no âmbito da «ALBA» (Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América – Ndt), propôs a criação de um sistema de pagamento internacional, baseado numa moeda virtual, que funciona como unidade de conta comum, para o registo de operações internacionais. Essas operações e as liquidações resultantes são canalizados através dos Bancos Centrais dos países participantes que compensam as contas em virtude das operações realizadas.

Além dessa iniciativa, a Venezuela promoveu nos últimos anos acordos de natureza bilateral para comercializar petróleo noutras moedas que não o dólar.

A este respeito, destaca-se o acordo com a China para vender petróleo em yuan. A China, actualmente o segundo maior consumidor de petróleo do mundo e principal opositor à hegemonia dos EUA, emitiu o primeiro contracto de petróleo em Março de 2018, um passo importante para converter o renminbi em moeda de referência mundial. Assim como a Venezuela fez, outros países exportadores de petróleo que já possuem acordos avançados para negociar petróleo em yuan, são a Nigéria, Angola, Rússia e Irão; estes dois últimos também são países vítimas das sanções e boicotes impostos pelos Estados Unidos.

A última iniciativa lançada da Venezuela para neutralizar a hegemonia do dólar foi o lançamento da Petro em 2018, uma cripto moeda do tipo transaccional não especulativa, cujo valor deriva do apoio dos recursos naturais. O objectivo da Petro é superar o bloqueio financeiro, levantar fundos com a sua emissão e criar um activo de reserva internacional para competir com a procura por dólares dentro da Venezuela [3]. Apesar das tentativas de outras moedas como o euro, o Reinminbi ou as iniciativas promovidas pela Venezuela, o dólar representa ainda 62% da dívida global, 56% dos empréstimos internacionais, quase 44% das transacções no mercado de câmbio e quase 63% das reservas cambiais.

[3] Petro representa um desafio sério à hegemonia do dólar, que está em pleno desenvolvimento, embora, sem dúvida, a um ritmo de progresso muito menor do que teria se não existisse o boicote internacional. A campanha activa contra a Petro permite-nos especular favoravelmente sobre os seus atributos como uma ferramenta para quebrar o boicote financeiro.

O denominador comum destas iniciativas apoiadas ou promovidas pela Venezuela é a partilha do objectivo principal de independência financeira e secundária, de forma a diminuir o poder de fogo de uma das mais poderosas armas estratégicas, usadas indiscriminadamente pelos Estados Unidos: a hegemonia do dólar. A Venezuela não é a única, ela partilha esse objectivo com muitas nações. Quanto mais os Estados Unidos usam a ferramenta do boicote financeiro, mais incentivam os países com pretensões soberanas a tomarem medidas para alcançarem essa independência financeira.

É difícil prever se alcançarão esse objectivo partilhado pela Venezuela, porque hoje estamos num estágio de transição para um mundo multipolar e os EUA com Donald Trump ao leme, abandonaram a via diplomática e intensificaram a batalha contra todos os que ousam desafiar qualquer um desses dois pilares de poder. A guerra comercial contra a China, as sanções contra a Rússia, o bloqueio comercial, o boicote financeiro, a interferência política e a ameaça de intervenção militar contra a Venezuela são as respostas dadas pelo poder dos EUA em decadência, diante de um mundo multipolar que acaba de nascer.

Os Estados Unidos estão conscientes da natureza estratégica da hegemonia do dólar, e como está demonstrado com as suas acções contra a Venezuela e outros países que desafiaram o sistema monetário dos petrodólares – como Iraque e Líbia – estão dispostos a fazer grandes sacrifícios de reputação diplomática com tais países, para defender a sua posição na ordem global. O clima de incorrecção política que abunda hoje na liderança americana não deve surpreender ninguém, é um sinal de que chegou o momento da verdade e que as mudanças na hegemonia global nunca foram pacíficas.

Exuberância dos recursos naturais venezuelanos

No entanto, é difícil mostrar que por trás da tentativa do golpe há um interesse material na abundância dos recursos naturais venezuelanos. Como provar que os EUA querem controlar os recursos naturais para ter uma vantagem competitiva internacional e / ou estimular a sua economia e / ou beneficiar as suas corporações?

Talvez as declarações circunstanciais de alguém desprevenido permitam basear essa suspeita. Nesse sentido, as afirmações do conselheiro de segurança dos Estados Unidos, John Bolton, [4] ao afirmar sem corar que “será uma grande diferença económica para os Estados Unidos se conseguirmos que companhias petrolíferas americanas participem do investimento e produção de petróleo da Venezuela”, ou das próprias declarações de Trump sobre a invasão da Líbia, em que reconheceu que os EUA deveriam ter extorquido aos rebeldes anti-Gaddafi: “nós os ajudaremos mas queremos 50% de seu petróleo”. [5] Mais uma vez, a ajuda humanitária dos EUA às Primaveras Árabes, parece ter as mesmas motivações que a ajuda humanitária à Venezuela. Considerando que este país tem duas vezes mais reservas do que a Líbia, é fácil esperar que o golpe de Trump seja ainda mais intenso.

[4] https://www.eldiario.es/internacional/Venezuela-Bolton-petroleo-EEUU_0_862314795.html

[5] https://www.youtube.com/watch?v=Fj0ELtWsVEg

Embora não possamos demonstrar de forma insufismável ou documentar as razões do golpe de Estado promovido pelos Estados Unidos, é útil ter uma aproximação de quais seriam as vantagens que os países participantes teriam com a tentativa dele. Afinal, a teoria do crime mostra-nos que a melhor maneira de encontrar o agressor é procurar os que beneficiariam com esse crime.

A este respeito, as reservas de petróleo venezuelano destacam-se, pois representam 18% do total das reservas globais. Com efeito, a Venezuela tem 300,9 [6] bilhões de barris que a tornam na nação com as maiores reservas de petróleo do mundo.

[6] https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/rankorder/2244rank.html

O consumo diário mundial de petróleo é de 98 milhões de barris por dia e os EUA consomem 19,2% [7] desse total. Se considerarmos este nível de consumo, se a Venezuela fosse o único país com petróleo poderia abastecer o mundo durante  9 anos e dois meses [8]. Nesse sentido, considerando o consumo dos Estados Unidos e as suas reservas escassas de petróleo, – os poços que utilizam o sistema de extracção por ruptura hidráulica (fracking) estão demonstrando ter vida útil e produtividade abaixo do esperado – e que  importa 53% [9] dos barris que consome, pode entender-se como é importante que os Estados Unidos tenham acesso a uma grande fonte de petróleo, como a Venezuela. [10]

[7] https://www.bp.com/content/dam/bp/business-sites/en/global/corporate/pdfs/energy-economics/statistical-review/bp-stats-review-2018-oil.pdf

[8]  https://www.businessinsider.es/10-paises-mayores-reservas-petroleo-mundo-249164

[9]https://www.bp.com/content/dam/bp/business-sites/en/global/corporate/pdfs/energy-economics/statistical-review/bp-stats-review-2018-oil.pdf

[10] https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/rankorder/2244rank.html

Las consecuencias económicas del boicot a Venezuela -02

Para a relevância deste recurso em si, deve ser adicionada uma consideração muito importante,  a distância  entre os Estados Unidos e a Venezuela. A distância entre os dois países é determinante para o preço final a que os Estados Unidos podem aceder ao petróleo. Não é o mesmo, transportar petróleo da Venezuela que fica a 2.500 km dos Estados Unidos, e transportá-lo da Arábia Saudita que fica a 12.500 km de distância. Além disso, os benefícios são multiplicados se tivermos em conta que várias refinarias de petróleo venezuelanas estão localizadas nos Estados Unidos.

Até este ponto, o interesse dos Estados Unidos pelo petróleo venezuelano é claro, mas a questão que se coloca é, se já tem acesso a ele através das exportações, o que procura com a intervenção na política venezuelana?

E a resposta está ligada à forma como o governo da Venezuela exerce o poder que o petróleo lhe dá em termos geopolíticos. Com isto referimo-nos à influência que o país caribenho tem na determinação do preço do petróleo de organizações como a OPEP e a possibilidade, ainda que não muito importante para os factos, de desviar a produção de petróleo para outros países como a China (1º importador e 2º consumidor mundial) e conseguir maior independência das exportações para os Estados Unidos.

A Venezuela não é apenas rica em petróleo. É um país com vastas riquezas naturais. A sua reserva de gás natural chega aos 5,7 triliões de metros cúbicos e posiciona o país como a 8ª nação com as maiores reservas de gás natural do mundo. Os EUA se adicionarem a si a reserva da Venezuela, ganhariam o controlo de aproximadamente 7,4% das reservas mundiais de gás natural e atingiriam maior peso num mercado que está fortemente concentrado nas mãos da Rússia, Irão e Catar, países afectados por acções de hostilidade económica dirigida pelos EUA e que juntos representam 54% [11] das reservas. (coincidências!!!! -Ndt)

[11] Dados de reservas de gás natural https://www.indexmundi.com/map/?v=98&l=es

As consequências económicas do boicote à Venezuela (1ª parte)

As consequências económicas do boicote à Venezuela (2ª parte)

Continua….

 

[1] Lam, R. y L. Wantchenkon (2002). Political Dutch Disease. NYU.  www.nyu.edu/gsas/dept/politics/faculty/wantchekon/…/dutch.pdf

[2] El desafío del SUCRE a la hegemonía del dólar no ha resultado significativo. En parte se debe a que el comercio intrazona, que explicaría la demanda de sucres, es demasiado pequeño para justificar su existencia y, en parte, a que los compromisos financieros y comerciales con el resto del mundo justifican la preferencia por el dólar.

[3] El Petro representa un serio desafío a la hegemonía del dólar, que está en pleno desarrollo, aunque, sin duda, a un ritmo de avance mucho menor al que tendría de no contar con el boicot internacional. La activa campaña contra el Petro nos permite especular favorablemente acerca de sus atributos como herramienta para romper el boicot financiero.

[4] https://www.eldiario.es/internacional/Venezuela-Bolton-petroleo-EEUU_0_862314795.html

[5] https://www.youtube.com/watch?v=Fj0ELtWsVEg

[6] https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/rankorder/2244rank.html

[7] https://www.bp.com/content/dam/bp/business-sites/en/global/corporate/pdfs/energy-economics/statistical-review/bp-stats-review-2018-oil.pdf

[8]  https://www.businessinsider.es/10-paises-mayores-reservas-petroleo-mundo-249164

[9]https://www.bp.com/content/dam/bp/business-sites/en/global/corporate/pdfs/energy-economics/statistical-review/bp-stats-review-2018-oil.pdf

[10] https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/rankorder/2244rank.html

[11] Datos de reservas de gas natural https://www.indexmundi.com/map/?v=98&l=es

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This entry was posted on 21 de Fevereiro de 2019 by in Venezuela and tagged , .

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